sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Azul é A Cor Mais Quente, A Mais Premiada e Polêmica Adaptação de HQ pro Cinema

por
Corto de Malta

Recentemente o diretor tunisiano Abdellatif Kechiche adotou para o cinema a graphic novel Blue Angel de Julie Maroh com La Vie d'Adèle - que no Brasil será lançado como Azul é a Cor Mais Quente.


A história acompanha a vida da adolescente Adele (Adèle Exarchopoulos) e o despertar de sua paixão por uma pessoa do mesmo sexo, Emma (Léa Seydoux), e e todo a descoberta e preconceitos que ela passa a vivenciar.




O filme foi premiado com a Palma de Ouro em Cannes, num júri presidido por Steven Spielberg, e muito elogiado como um símbolo da luta contra a homofobia. Sem contar que  eu não acredito que outra obra baseada numa HQ tenha tido tamanho reconhecimento.

Além disso, desde sua exibição em Cannes ele sido alvo de um intenso debate dos limites entre a pornografia e a arte, devido as longas e intensas cenas de sexo envolvendo as personagens Adele e Emma.  Mas a premiação máxima no Festival de Cinema mais famoso do mundo seria um indício definitivo de que Azul é a Cor Mais Quente passaria a história como uma forma de Arte, correto? 

Talvez não.



 
O que ninguém esperava era o mar de polêmicas passaram a se abater como enormes ondas sobre a produção do longa metragem e todas vindas de pessoas diretamente envolvidas com a obra. 

Pois a autora da HQ não só rejeitou a adaptação que muitos celebravam como um passo adiante contra a homofobia como ainda a acusou de ser um pornô lésbico para saciar a fantasia de homens heteros. O alarde aumentou quando as atrizes que viveram o casal protagonista do longa metragem praticamente acusaram o diretor de tê-las escravizado durante as gravações, o que o deixou furioso. Ele reagiu chegando até a acusar uma delas de ser uma aproveitadora e falar que se arrependeu de fazer o filme.



A polêmica começou com declarações das atrizes, contra os métodos do diretor Kechiche. Durante a coletiva em Cannes, Léa, visivelmente emocionada, disse:

"O que vocês viram na tela nós fizemos."

 Se seguiram várias entrevistas, como uma onde ambas falaram ao Le Monde:

"As gravações foram marcadas para dois meses e meio. Duraram o dobro pelo mesmo orçamento. E trabalhando com Kechiche você tem que estar 100% lá. Mais de cinco meses não daria pra aguentar."



 Depois contaram ao Daily Beast:

 "Passamos 10 dias inteiros para fazer a cena de sexo principal quando Léa e eu mal tínhamos nos encontrado. Foi muito embaraçoso"
 "Felizmente ganhamos a Palma de Ouro porque foi horrível."
"Ele me bateu tantas vezes. E disse 'Bate. Bate um pouco mais'. "
"Não! Beija ela! Lamba o seu ranho!" (numa em que uma delas estava limpando o nariz)

Adèle também declarou a Folha de São Paulo ter se sentido explorada pelo diretor:

 “Ele disse que tínhamos de confiar nele e dar muito de nós mesmas. Ele estava fazendo um filme sobre paixão, e queria cenas de sexo, mas sem coreografia – cenas de sexo especiais.”



Durante uma conferência de imprensa após essas entrevistas, Kechiche, no entanto comparou o espírito de sua equipe de cinema com o de uma "família". Foi quando entrou em cena Julie Maroh, autora da HQ Blue, que escreveu em seu blog logo após o filme ter vencido a Palma de Ouro:

“A maneira como o diretor optou por filmar as cenas é coerente com o resto da sua criação. Eu não sei quais as fontes de informação do diretor e das atrizes (que são héteros, até que se prove o contrário) e eu nunca fui consultada.

Talvez tivesse alguém lá para orientar desajeitadamente as possíveis posições das suas mãos, e/ou para mostrar alguns filmes pornôs supostamente ‘lésbicos‘. Porque, exceto por algumas passagens, isso é tudo o que me vem a mente: uma visão brutal e cirúrgica, exuberante e fria, de algo que se diz ser sexo lésbico, mas que é pornografia hétero.

Heterossexuais riam [na platéia do cinema] porque eles não entendem aquilo e acham ridículo. Gays riam porque não é convincente e achavam ridículo. E entre as únicas pessoas que nós não ouvíamos dar risadinhas estavam os homens, que fixavam seus olhos na encarnação das suas fantasias sobre duas mulheres lindas, materializadas na tela.
A maneira como ele filma essas cenas para mim está diretamente relacionada com outra cena, em que diversos personagens conversam sobre o mito do orgasmo feminino, como sendo algo místico e muito superior ao masculino. E aqui vamos nós, para sacralizar uma vez mais a feminilidade de tal forma. Eu acho isso perigoso ”.


A chuva de críticas teriam deixado Kechiche muito abalado a ponto de dizer ao Telerama que  conquistar a Palma de Ouro foi um breve momento de felicidade, pois o filme foi manchado e a spessoas não mais o assistirão com o coração limpo:

“Eu acho que esse filme não deveria ter saído. Ele é muito sujo.  Eles vão dizer, ‘será que esse homem não abusou dessas garotas? Será que elas também não gostaram [de fazer sexo] e não querem falar?’ ”

Houve uma tentativa de Adèle de desmentir as declarações iniciais, dizendo que foram mal interpretadas. Ela declarou ao Daily Bleast e ao Le Parisien que o tipo de "Manipulação" ou "Assédio" citados anteriormente são válidos na relação diretor/atriz e:

 "Este é provavelmente o filme onde aprendemos mais, o mais avançado."
 

No entanto a polêmica continuou e o nível conseguiu ficar mais baixo ainda! Kechihe falou em sua conta no twitter ao Canal + e investiu contra Léa Sedoux. Ele a acusou de ter privilégios por ser de família rica - ela é neta de Jerome Seydoux, CEO da Pathé:

"Léa Seydoux é parte de um sistema que não me quer, porque eu incomodo. Os trabalhadores sofrem, não adoradas atrizes que passam sobre o tapete vermelho. "

A atriz se defendeu respondendo:

"Eu não critiquei Abdellatif Kechiche, eu falei sobre a sua abordagem. Nós já não trabalhamos juntos. Minha família nunca me ajudou. Vamos parar de falar de privilégios."



 Kechiche, no entanto, parece realmente disposto ao confronto. Ele decidiu escrever uma carta aberta publicada no site Rue 89, mostrando sua indignação com o caso, com os críticos do longa metragem, incluindo o jornal Le Monde e principalmente com a atriz:

"A senhorita Seydoux, que depois de me agradecer repetidas vezes, em público e pessoalmente, e de ter chorado nos meus braços em Cannes por permitir que ela interpretasse esse nobre papel (...) mudou radicalmente sua atitude quanto a mim, contra todas as probabilidades e toda coerência."


O cineasta também disse que o filme - que está sendo censurado em outros países exatamente pelas cenas de sexo - poderia levantar um debate sobre Cinema na França... Bom, vamos ser sinceros. A última coisa que as pessoas vão debater são os limites entre Arte e Pornografia. Não em meio a esse barraco todo.

É claro que eu não assisti ao filme, e pela forma como Kechiche se ofendeu é bem provável que não fosse a intenção dele mesmo, mas a essa altura parece inevitável que Azul é A Cor Mais Quente se transforme num fetiche de uma cultura machista e sexista e não em um símbolo contra a opressão da mesma. Como Julie Maroh comentou, ele pode realmente ser "perigoso" e até se tornar exatamente o OPOSTO da luta pela igualdade e contra o preconceito.


Vamos aguardar pra ver. Afinal, tudo pode mudar. As fotos ilustrando esse post, por exemplo, são de pouco tempo atrás, durante o Festival de Cannes, e mostram em suas imagens uma relação completamente diferente entre o diretor e suas atrizes.



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