quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Da Prensa: The Deal por Corto

por
Corto de Malta

The Deal é uma HQ criada por fãs que vem mobilizando a internet. A história escrita por Gerardo Preciardo e desenhada por Daniel Bayliss aponta um polêmico final para o eterno confronto entre Batman e Coringa.

Observação: apesar de não ser um quadrinho impresso, como é uma crítica a uma HQ vou manter o Da Prensa como faço com demais críticas.

Veja a HQ abaixo:







Bom, pra começar é necessário reconhecer o esforço dos autores para retratar aquela que seria mesmo a história final entre o Batman e o Coringa. Nota-se isso especialmente pela arte de Bayliss, que imagina o uniforme do Batman praticamente idêntico à sua primeira aparição em 1939. Seu belo traço também lembra bastante o de Paul Pope, autor de Batman Ano 100. 

Porém... o roteiro de Preciardo não segura a onda da sua própria pretensão.



Pra começar o Coringa é totalmente equivocado na sua concepção. A idéia do personagem é precisamente a de abraçar a ilusão, o teatro, o palco armado onde ele o Homem-Morcego se enfrentam. Todas as tentativas de retratar lucidez no Coringa sempre envolveram o fato de habitar nele uma outra personalidade que não fosse o Coringa.

Isso pode ser visto em A Piada Mortal de Alan Moore e Brian Bolland que narra a vida do personagem antes de virar o Palhaço do Crime, e em Um Conto de Batman - De Volta à Sanidade de J. M . de Matteis e Joe Stanton, que mostra o Palhaço adotando uma identidade civil e se reintegrando à sociedade quando acha que o Batman morreu... plano que é arruinado quando percebe que seu inimigo estava vivo.



Outro ponto que me chamou a atenção foi quando o Coringa afirma que sua motivação vem da crença de que em outra vida ele foi a esposa do Batman. Bem... não é difícil de imaginar que Preciardo e Bayliss ficaram muito impressionados com a minissérie Flashpoint, que mostra o Flash Barry Allen indo para uma realidade alternativa do Universo DC.

Nesse mundo foi o pequeno Bruce quem morreu no Beco do Crime, vítima do disparo do criminoso Joe Chill, o que fez com que seu pai Thomas Wayne se tornasse uma versão muito mais violenta do Batman, enquanto sua esposa, Martha Wayne, enlouqueceu e se tornou uma versão feminina e igualmente sanguinária do Coringa que conhecemos.

Se a intenção foi fazer uma homenagem até valeu. Por outro lado, se quiseram se apropriar do conceito criado por Geoff Johns para imprimir um significado próprio, a minha impressão é que falharam.



O que nos leva a outro problema: o Batman. A trama do quadrinho tenta nos fazer crer que o personagem foi jogado ao limite com o assassinato do Comissário Gordon, do Alfred - esse último com requintes de crueldade - e do Robin (é dele o braço que o Coringa está segurando?). Só que duas páginas não suficientes pra nos convencer dessa mudança de atitude drástica no Cavaleiro das Trevas.

Por fim, só existe uma coisa que me incomoda mais do que ver o Coringa (com sua personalidade de Coringa) falando de "amor". É ver o Batman CONCORDANDO com o Coringa. Grande parte da força da rivalidade entre os personagens que atravessou décadas e mídias se deve a um confronto ideológico muito profundo. E embora o Coringa tenha se solidificado no imaginário popular como a antítese do Batman, a verdade é que ele funciona como uma espécie de avatar dos desejos e frustrações de TODOS os vilões do Cavaleiro das Trevas.



E digo isso porque o final de The Deal me lembrou do final de Um Conto de Batman - Estufa de John Francis Moore e P. Craig Russel. Nele Batman também está pendurado segurando a mão da Hera Venenosa. A diferença é que aqui ele diz:

"Eu não vou te soltar... Pamela."

A cena muda para mostrar a vilã de volta ao hospício. Enquanto a narrativa do Homem-Morcego reflete sobre o território onde a Doutora Pamela Isley vagueia, que existe entre o Bem e o Mal, o Amor e o Ódio, a Loucura e a Lucidez e espera que um dia ela encontre o caminho de volta... a própria Pamela confidencia a uma enfermeira:

"É um segredo. O Batman me ama."


E a trama também conclui com uma referência a uma canção de Billie Holliday, da mesma forma que The Deal optou por um stand-up comedy do músico e humorista Bill Hicks, que acaba soando mais como uma crítica social completamente avulsa do contexto da história:



Não estou querendo tirar o mérito de The Deal, que num olhar despretensioso é uma boa história e explora bem melhor o pensamento dos autores do que dos próprios personagens. E talvez esse seja o problema: a descaracterização como preço a pagar para se vender uma idéia.

O Coringa jamais falaria de amor enquanto fosse Coringa. Ele precisaria criar outra identidade fora do "Teatro". E ele NÃO está acordado. Pelo contrário. Basta prestar atenção à piada contada no fim de A Piada Mortal. O Coringa se identifica como o louco que ficou pra trás porque tinha medo da luz... e medo de cair.


Enquanto o Batman jamais soltaria a si mesmo ou ao Coringa, assim como ele não soltou a Hera Venenosa. Está certo o Coringa se dirige a ele como Bruce. Bruce Wayne sim poderia "matar" o Batman. Mas não enquanto o Coringa existisse. E obviamente ele, Batman, não poderia deixar de tentar salvar o Coringa. Por causa dessa armadilha psicológica que se costuma dizer que o combate deles é eterno.

Se ao menos The Deal procurasse mostrar que isso foi uma forma do Coringa manipular as identidades de Batman e Bruce Wayne - semelhante ao que ele fez na cena do interrogatório no filme O Cavaleiro das Trevas quando trocou os endereços de Rachel Dawes e Harvey Dent - a história faria sentido. Seria cruel, mas faria sentido. Mas o texto de Bill Hicks no fim com a tal crítica social dá a entender que Preciardo e Bayliss queriam chegar a outro lugar... infelizmente pegaram o caminho errado...

... ou simplesmente deviam sorrir um pouco mais.



 "Não me ameace com amor, baby. Vamos simplesmente ir andando na chuva."

Billie Holiday

2 comentários:

Renver disse...

Como algo desprentensioso eu gostei... Mas não consigo ver o Coringa desse jeito...

E Estufa é bom?

Corto de Malta disse...

Concordo com seu ponto de vista Fabiano.

Renver, estufa é legal sim.

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