quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Viagens, Filosofia e Rock'n Roll - Carolina IV

por
Renver

Eu estou voltando para meus inimigos
Eu estou voltando
Eu estarei de volta para meus últimos dias
Eu estou voltando para o mar!
Então... você não vem comigo, meu amigo?
Emoções... como tínhamos antes
Esperança... nunca mostrando o mesmo
Para um homem solitário

Pra quem não sabe esse trecho é parte da música Carolina IV do Angra. Advinda de um álbum conceitual (Holy Land) onde todas as músicas abordam (direta ou indiretamente) o descobrimento do Brasil em 1500.




Os arranjos musicais sofrem muita influência da música e cultura brasileira, com referências aos índios e seu folclore, e no caso de Carolina IV um pouco também da cultura africana. Conta também com arranjos clássicos, simbolizando a Europa naquela época. Em termos de letra estas abordam efeitos da descoberta sobre os nativos; o vislumbre e os desafios que as viagens marítimas acarretavam; o fascínio do novo mundo; o folclore e a cultura indígena da época, etc.

Mas o foque aqui será Carolina IV, onde nesse post experimentarei uma análise detalhada sobre essa música (traduzida).

Engraçado que a música começa com uma batida que lembra muito Olodum e conta com um refrão no começo e no fim que é cantado exclusivamente em português.

"Salve, salve Iemanjá,
Salve Janaína
E tudo o que se fez na água
Jogam flores para o mar
Deus salve a Rainha
E o meu passo nessa esfera...
Um caboclo de orixás
Logo deixa a Terra
Vai de encontro à sua sina
Onde o céu encontra o mar
Achará seu porto
E é assim que isso termina..."

Sobre Iemanjá: Iyemanjá, Yemanjá, Yemaya, Iemoja ou Yemoja, é um orixá africano, cujo nome deriva da expressão Iorubá* "Yèyé omo ejá" ("Mãe cujos filhos são peixes").

Acho interessante essa citação de Jorge Amado:
"Iemanjá, rainha do mar, é também conhecida por dona Janaína, Inaê, Princesa de Aiocá e Maria, no paralelismo com a religião católica. Aiocá é o reino das terras misteriosas da felicidade e da liberdade, imagem das terras natais da África, saudades dos dias livres na floresta" 


Carolina IV possivelmente é nome de uma embarcação, talvez uma caravela.  Naquela época era comum darem-se nomes de mulheres as embarcações de grande porte (hoje são os furacões e tornados, rsrs). Na história, dois amigos experientes em náutica se aventuram novamente para o mar e quem sabe para os mistérios de um novo mundo.

Tudo que eu vejo flutua com o vento
Todos os milagres da água
São milagres nunca vistos antes
De algum modo minha vida começa agora
Esta música que foi tocada através do tempo
Agora começa a atingir meus pés
Sente-se como a inundação de minhas necessidades
A partir da harmonia de sempre
Som das melodias do mar
E você saberá no caminho
Eu estou voltando para meus inimigos
Eu estou voltando
Eu estarei de volta para meus últimos dias
Eu estou voltando para o mar!
Então... você não vem comigo, meu amigo?
Emoções... como tínhamos antes
Esperança... nunca mostrando o mesmo
Para um homem solitário


Essa música aborda algo que nunca chegou ao seu destino, desaparecendo em “um rio para o céu”. A frustração de muitas expedições que saíram à caça de descobertas e desapareceram no anonimato sem conseguir realizar o objetivo.


Desde o dia em que deixamos a terra
Nós estivemos ansiosos ao aproximar-nos
O capitão continuou mostrando seus planos:
"Sob as velas nós vamos!"

Profundas do oceano azul Eu olho
As reflexões da minha alma
Temos conosco um convidado especial
E para ele, fizemos um brinde

Carolina IV pegou um rio para o céu
Sete homens à bordo fazendo parte
Para levar seus corações ao redor
Ao redor, ao redor do mundo

A letra vai mostrando que a embarcação está se perdendo e assim sua tripulação vai aos poucos esmorecendo... O que sobra são apenas lembranças de um passado, talvez um amor perdido deixado em terra ou talvez apenas amarguras que ficaram para trás com a intenção de serem superadas por algum senso doentio de realização pessoal.

Tudo que posso lembrar daquele dia
Naquele diz com certeza
Todas as mãos para cima contra o nevoeiro
Enquanto nós tentávamos retorna

Carolina IV pegou o rio para o céu
Um homem a menos a bordo - sonhos humanos
Algumas vezes o custo de suas vidas,
Todas as suas vidas sonhando

Fui um tolo
Eu tenho tanto medo
Do meu coração para você eu digo:
- Eu vou estar aqui para ficar!

Nada de mais à esquerda do barco
Muitos anos vieram e se foram
Ainda não posso esquecer o passado
E os deixei em casa


Carolina IV pegou o rio para o céu
O vento assobiando a noite
Fizeram-me virar à direita para o olho do vento
Agora eu morrerei cantando:

Fui um tolo
Eu tenho tanto medo
Do meu coração para você eu digo:
-Eu vou estar aqui para ficar!

Tudo que eu vejo flutua com o vento
De algum modo minha vida começa agora
Sente-se como a inundação de minhas necessidades
Tudo o que vejo flutuando, flutua com o vento

Intenções, amizades, promessas e sonhos... Por mais anacrônico que seja misturar Iemanjá com a descoberta do novo mundo, talvez o sentido seja esse que no fim tudo pertence ao mar volta para o mar. Talvez seja por isso que a música se encerre com o mesmo refrão em português.

"Salve, salve Iemanjá,
Salve Janaína
E tudo o que se fez na água
Jogam flores para o mar
Deus salve a Rainha
E o meu passo nessa esfera...
Um caboclo de orixás
Logo deixa a Terra
Vai de encontro à sua sina
Onde o céu encontra o mar
Achará seu porto
E é assim que isso termina..."


Agora vamos para algumas curiosidades:

- Essa música é riquíssima na parte instrumental, ela reúne ou lembra instrumentalmente partes de todas as outras músicas do Holy land. Sem contar uma parte quase exclusiva no teclado/piano (peguem o vídeo lá em cima que tem a música e coloquem ela nos 5:13 min) e agora compare essa parte com essa música de Hermeto Pascoal.

- Estranhamente essa letra me remete muito Moby Dick, mesmo sendo histórias bem diferentes, alguns aspectos são parecidos como a ambição e o fascínio pelo mar. Reparem nesse trecho inicial de Moby Dick:

"Trate-me por Ishmael. Há alguns anos não importa quantos ao certo, tendo pouco ou nenhum dinheiro no bolso, e nada em especial que me interessasse em terra firme, pensei em navegar um pouco e visitar o mundo das águas. É o meu jeito de afastar a melancolia e regular a circulação. Sempre que começo a ficar rabugento; sempre que há um novembro úmido e chuvoso em minha alma; sempre que, sem querer, me vejo parado diante de agências funerárias, ou acompanhando todos os funerais que encontro; e, em especial, quando minha tristeza é tão profunda que se faz necessário um princípio moral muito forte que me impeça de sair à rua e rigorosamente arrancar os chapéus de todas as pessoas então percebo que é hora de ir o mais rápido possível para o mar. Esse é o meu substituto para a arma e para as balas. Com garbo filosófico, Catão corre à sua espada; eu embarco discreto num navio. Não há nada de surpreendente nisso. Sem saber, quase todos os homens nutrem, cada um a seu modo, uma vez ou outra, praticamente o mesmo sentimento que tenho pelo oceano."

Clique na imagem pra ler uma resenha que eu fiz sobre o livro:


- Engraçado como Mitologia Iorubá (ou Yoruba: Grupo étnico africano, que habita a Nigéria. referindo-se também à mitologia africana) remete muito as mitologias pagãs ou cristãs (mesmo antes do sincretismo). Por exemplo, Iemanjá é a princesa do mar, filha de Olokun (deus/orixá genioso como Poseidon), que dependendo da vertente pode ser uma entidade masculina ou feminina misturado com peixe, que foi acorrentado no fundo do oceano, quando tentou matar a humanidade com o dilúvio. 

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Bom por hoje é só pessoal, espero que tenham gostado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Lilian...

Nossa que post bonito eim rapaz...

Que pena que eu não achei a música (aos meus ouvidos) grande coisa.

Anônimo disse...

bom deve ser funk pra vc ne filha da puta

Unknown disse...

Calma gnt, gosto é gosto.
Amo essa música

João Lemos disse...

Me emocionei bastnate ao ler a letra e sua análise dessa música, apesar de conhecer há anos, mas nunca ter parado para apreciar os detalhes. Excelente ótica desta bela obra de arte. Muito obrigado! RIP Andre Matos

aldo disse...

Desde la primera vez que escuché esta canción pude sentir el ansia y expectativa de conocer el nuevo mundo, así como lo plasma esta obra de arte, espero algún día conocer Brasil, tierra misteriosa y bella, saludos desde Ecuador

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